“Hoje já não há defesas, preferem que eles ataquem”

Paolo Maldini é ainda hoje considerado um dos melhores laterais esquerdos de sempre. Afastado dos relvados desde 2009, o antigo internacional italiano continua a acompanhar de perto o desporto rei.

Em entrevista ao DN, Maldini diz que o futebol está bastante diferente de quando começou ao mais alto nível, e são os símbolos de outrora, como Maradona, Ronaldo, Zidane, Rui Costa ou Figo, que ainda o marcam.

Começou a jogar no Milan aos 10 anos, chegou à equipa principal com 16 e terminou a carreira aos 41. Na prática esteve 25 anos a jogar e a vencer ao mais alto nível. Como é viver agora afastado do futebol desde 2009?

Agora estou a ver o que é a vida real, algo que não consegui ao longo de muitos anos. Aproveito ao máximo a minha família, pois estive ausente bastante tempo. Fiz o que mais gostei durante muitos anos, mas sei que a minha família ressentiu-se disso, pois os momentos com eles eram muito poucos. Agora tenho tentado recuperar tudo o que perdi e aproveito para praticar outros desportos. Gosto muito de ténis e também já pratiquei boxe. Deixar o futebol permitiu-me descobrir outras coisas, ver o mundo com outros olhos.

Qual o segredo para ter jogado ao mais alto nível durante 25 anos?

Não há grandes segredos, acima de tudo tentei sempre ser o mais profissional possível. Vivi a profissão ao máximo e felizmente também nunca tive muitos problemas de lesões, isso ajudou-me bastante. Joguei até sentir que não podia mais. Ninguém me mandou parar, tomei a decisão quando senti que tinha de a tomar, sempre com o apoio da minha família. Aliás, o segredo da minha carreira foi mesmo a minha família, que sempre me apoiou.

Foi muito difícil ficar afastado do futebol depois de terminar a carreira?

Nunca conseguirei ficar afastado do futebol, é impossível, faz parte da minha vida. Gosto de ver futebol, sobretudo o Milan. Não vou a todos os jogos, mas gosto de ir ver as grandes partidas.

O facto de ter dois filhos jogadores [Christian e Daniel] também o ajuda a manter essa ligação…

Sim. Não os obriguei a nada, mas é bonito vê-los a crescer no futebol, tal como eu, tendo começado também no nosso Milan. A nossa vida está totalmente ligada ao futebol, começou com o meu pai [Cesare Maldini] e agora os meus filhos estão a seguir o mesmo caminho. Só lhes desejo felicidades, mas quero acima de tudo que sejam felizes, a jogar futebol ou a fazer qualquer outra coisa. Se quiserem fazer carreira no futebol, é claro que fico satisfeito, mas o mais importante é a felicidade deles.

É ainda hoje considerado um dos melhores defesas de sempre. Sempre gostou de jogar nessa posição?

Muitos não sabem, mas comecei a jogar como extremo-esquerdo. Quando fiz as provas no AC Milan, com 10 anos, jogava nessa posição, gostava de estar mais à frente, de marcar golos. Só aos 14 anos é que comecei a jogar na defesa. Tentaram adaptar-me a essa posição, gostaram, eu também, e não saí mais da defesa.

O futebol defensivo de hoje é totalmente diferente dos seus tempos no AC Milan?

Totalmente. Hoje, como costumo dizer, já não há defesas. Ou melhor, não são como quando comecei a carreira. Antes um defesa era isso mesmo, um defesa. Procurava defender o melhor possível, tentava evitar os golos dos adversários. Hoje já não é assim. As pessoas, o público, muitos treinadores, preferem que os defesas ataquem, que ajudem a marcar golos. É muito diferente o futebol e os sistemas atuais, mas continuam a existir grandes jogadores mais defensivos.

Qual o melhor defesa da atualidade?

Há grandes jogadores, mas escolho o Thiago Silva [jogador do PSG]. Para mim é o mais completo. É um defesa que sabe ler muito bem o jogo, consegue antecipar jogadas, dá confiança, tem grandes características.

Trabalhou com muitos treinadores na sua carreira, alguns dos mais conceituados de sempre. Qual ou quais foram os que mais o marcaram?

Comecei ao mais alto nível do Milan com Nils Liedhom, que me ensinou muito, até porque era muito jovem e estava numa grande equipa. Mas depois Árrigo Sacchi levou-me a um outro nível, puxou ao máximo por mim e transformou-me. Trabalhei também com outros que me ensinaram muito, como Fabio Capello ou Carlo Ancelotti, aliás, com este terei tido os melhores anos desportivos da minha carreira.

Fez mais de mil jogos pelo Milan e conquistou 25 títulos. Consegue eleger a melhor equipa em que jogou?

É difícil dizer isso, pois felizmente atuei ao lado de grandes jogadores e estive sempre inserido em grandes equipas. Contudo, talvez possa dizer que as melhores terão sido entre 1991 e 1994, quando tínhamos grandes jogadores e vencemos muitos títulos [Baresi, Costacurta,Gullit, Van Basten, Boban, Savicevic, Papin, entre outros].

E o melhor futebolista com quem teve o privilégio de partilhar o balneário e de fazer parte da mesma equipa?

Possivelmente, o Marco van Basten. Jogava com os dois pés, de cabeça, tinha muita velocidade, era um jogador especial, sem dúvida.

E o melhor que defrontou?

Diego Maradona. Era incrível, muito difícil de marcar, era imprevisível. Fisicamente e tecnicamente era um fora de série, por isso encantou todo o mundo na sua geração e será sempre recordado como um dos maiores. Depois também foi sempre muito complicado jogar contra Ronaldo, sobretudo quando veio para o Inter de Milão, e também Zidane, outro jogador de pura classe.

Após tantos jogos ao mais alto nível consegue também identificar aquele que mais prazer lhe deu vencer?

Não enumerar apenas um. Felizmente ganhei muitos jogos, muitos troféus, venci cinco Ligas dos Campeões. Será mais fácil dizer que foi o primeiro título italiano ou a primeira Liga dos Campeões, ou mesmo a última, contra o Liverpool. Mas sinceramente não consigo responder. Talvez o meu primeiro jogo.

E recorda-se daquele que mais lhe custou perder?

Sim, foi a final da Liga dos Campeões contra o Liverpool, em 2005. Istambul ainda não está esquecida. Estivemos a vencer por 3-0 e acabámos por perder no desempate por penáltis. A final do Campeonato da Europa em 2000 também foi muito complicada, pois perdemos com a França com um golo de ouro do Trezeguet.

É visto como um símbolo do AC Milan por tudo o que conquistou, mas sobretudo pelo amor que demonstrou ao clube nos mais de 30 anos naquela casa. Foi fácil para si dizer sempre que não a outros clubes?

Nunca fui para outro lado porque a mentalidade era diferente. Agora os jogadores querem outras experiências, na minha altura era muito comum ao jogador italiano permanecer sempre no mesmo clube, como foi o meu caso e o de outros que jogaram no Milan. Também se tornou mais fácil porque joguei numa altura em que tínhamos uma equipa muito forte e ganhávamos muitos títulos. Se estava feliz, ganhava títulos, era fácil dizer que não.

É frustrante ver a atualidade do Milan, que não vence a Liga há já seis anos?

Estão a lutar para voltar ao topo, mas não é fácil, pois a Juventus está bem estruturada e o Milan ainda está a a perceber o que realmente quer e o que precisa de fazer para voltar ao topo. Sinceramente também ainda não percebi bem quais os objetivos no imediato. Espero, como adepto, que recuperem o quanto antes.

Trabalhou muitos anos ao lado de Silvio Berlusconi, antigo dono do clube, que acabou por vender o AC Milan no ano passado. Como adepto entendeu essa decisão?

Compreendo a decisão de Berlusconi. Foi sempre um presidente muito presente, mas a vida muda e agora sente que não pode acompanhar como devia, a decisão se calhar foi a mais correta.

Não o incomoda que capitais de países como a China tomem conta de um clube italiano como o AC Milan?

Não. Interessa-me é que os investidores, sejam chineses ou outros, percebam o que é o AC Milan, a sua paixão, e possam voltar a fazer crescer este clube. Atualmente, os investimentos nos clubes mundiais são normais, não é nada inédito.

É verdade que recusou regressar recentemente ao clube para ocupar um lugar de direção?

Senti que não era o momento para regressar. Não percebi muito bem o projeto e achei que não estavam reunidas as condições para voltar a fazer do AC Milan um clube ao seu nível.

Na sua altura a rivalidade para o título de melhor do mundo era maior, hoje resume-se praticamente a Lionel Messi e Cristiano Ronaldo. Também é da opinião de que são os dois melhores do mundo?

Sim, atualmente são. Para mim, Messi é o número um, muito parecido a Maradona. Como já disse muitas vezes, é muito imprevisível, um jogador completo. Cristiano Ronaldo é outro jogador fantástico, diferente de Messi, tem outras características, um profissional exemplar, como muitos dizem. Felizmente ainda joguei contra ele, sei do que é capaz, já Messi nunca tive a oportunidade de defrontar. São grandes, dois talentos incríveis, que estão a marcar uma geração. É natural também que vençam mais vezes, pois além de serem muito bons, excecionais, estão em duas equipas que vencem mais vezes do que as outras.

E do seu tempo, destaca algum futebolista português em particular?

Tenho sempre de falar em Rui Costa. Acima de tudo um amigo, mas no futebol era um jogador de classe. Sempre o admirei, mesmo quando não jogava comigo. Tinha imenso talento, uma qualidade de passe incrível, foi dos melhores que vi na sua posição e felizmente tive o privilégio de jogar a seu lado [jogou também com Paulo Futre no AC Milan]. Luís Figo foi outro que tive o prazer de defrontar, era muito difícil de marcar, superinteligente. Os títulos que ganhou e a carreira que fez em grandes clubes falam por si.

Portugal venceu recentemente o Campeonato da Europa contra muitas expectativas. Este título também o surpreendeu?

Não se pode dizer que seria impossível isso acontecer. É claro que as pessoas viam outras seleções com mais hipóteses de vencer, como a Alemanha, que era campeã mundial, ou a França, que jogava em casa e tinha uma grande equipa, ou ainda outras como a Espanha ou a Itália, devido à sua história. Mas ganhou Portugal e acabou por fazê-lo com justiça, até porque tem também grandes jogadores, com grande classe. A equipa portuguesa estudou sempre os jogos ao pormenor, soube fazer o melhor para ultrapassar cada adversário. Não se pode criticar o modelo de jogo, foi o mais adequado tendo em conta os seus jogadores.

Portugal e a Itália voltam a cruzar-se agora na Liga dos Campeões, com um duelo entre Juventus e FC Porto. Quem considera favorito nesta eliminatória?

Penso que a Juventus é favorita. Tem uma grande equipa e tem estado sempre nas fases mais adiantadas da Liga dos Campeões. No entanto, o FC Porto já demonstrou que é muito forte, até porque já venceu neste ano a Roma, outra excelente equipa. Terão de ter muita atenção. O futebol português tem crescido muito. O Benfica esteve em finais recentemente, eliminou a própria Juventus, e agora venceu o Campeonato da Europa, tudo isto é evolução, por isso a Juventus tem de ter muito cuidado.

Entrevista concedida por e-mail através da assessoria do ex-jogador.